“NUNCA FUJA DO LEÃO”
No tempo
em que se costumava testar a ferro e fogo a competência daqueles que aspiravam
ao governo – e, portanto, muito antes do surgimento da democracia, da urna
eletrônica e do nepotismo – houve um sábio e idoso rei que vendo se aproximar o
dia de sua morte chamou o seu filho e lhe declarou:
- Meu
filho, a minha hora se aproxima. E tenho de ter certeza que estás preparado para
assumir o trono em meu lugar. É tradição entre os nossos ancestrais que aquele
que suceder ao rei precisa passar por uma prova.
- Que
prova é essa, meu pai? – atalhou o filho, entre surpreso e assustado.
- Tu
terás de enfrentar um leão. Amanhã mesmo tu entrarás na jaula e eu fecharei o
cadeado por fora.
O rei
então virou as costas e dirigiu-se ao seu aposento.
O filho nem conseguiu pregar o olho possesso como
estava de tanto medo. Antes de o sol nascer, selou o seu cavalo e foi embora
sem rumo algum.
Cavalgou
por horas, dias até. Quando parou pra descansar, achou ter ouvido gritos por
perto. Foi até lá. Era uma garota indefesa sendo agredida por dois marmanjos.
Num rasgo de pura coragem, enfrentou os malfeitores e salvou a garota. Ela
confessou ser uma princesa e, como gesto de gratidão, pediu a ele que a acompanhasse
até o castelo onde receberia de seu pai, o rei, as honras devidas a um bravo
guerreiro. Ele assentiu.
Chegando
à corte, foi recebido com festa. No banquete, o rei pôs-se de pé e, erguendo o
cálice, disse-lhe:
- Por
não se preocupar com a própria segurança ao socorrer uma desconhecida; por
doar-se a si mesmo sem saber que estava salvando a filha de um rei é que te dou
agora o privilégio de pedir o que quiser como recompensa pelo seu ato de
bravura, até mesmo a metade do meu reino.
- Majestade,
só uma coisa peço de todas as maravilhas que meus olhos podem almejar. Peço a
mão de sua filha em casamento.
Entre
engasgos e goles de vinho o rei assentiu. Não sem antes declarar:
- É
tradição entre os nossos ancestrais que aquele que tomar a mão de uma princesa
em casamento precisa antes passar por uma prova. E como já temos conhecimento de
sua força e coragem, tenho certeza que se sairá bem.
- Que
prova é essa, majestade?
- Tu
terás de enfrentar um leão. Amanhã mesmo tu entrarás na jaula e eu fecharei o
cadeado por fora.
O rei
então virou as costas e dirigiu-se ao seu aposento.
Antes
de o sol nascer, o “bravo guerreiro” selou seu cavalo e foi embora sem se
despedir.
Cavalgou
por horas, dias até.
Era
noite quando chegou numa cidade para pedir guarida. Havia muitas pessoas sobre as muralhas,
estavam assustadas. Os portões se abriram para lhe dar passagem. Alguma coisa
estava acontecendo ali e ele não conseguia entender. Ouviam-se gritos te terror
e gente correndo pra lá e pra cá.
- O
que está acontecendo? – indagou atônito.
- Ah,
tu não sabes! A cidade está sendo invadida por ferozes leões e a população está
sendo dizimada. Escapa-te por tua vida.
Sentindo-se
completamente vencido, tomou sua cavalgadura e voltou ao palácio e ao trono
onde seu pai o aguardava saudoso.
-
Pai, tive medo por isso fui embora. Cansei de fugir ao meu destino. Agora estou
pronto para enfrentar o leão.
O rei
então tomou seu filho pela mão e conduziu-o até a jaula onde estava o leão. Ele
entrou e seu pai fechou o cadeado por fora.
O
leão rugia enquanto ia se aproximando dele. Os dentes enormes e amarelecidos.
Talvez devido a tanta carne humana que havia dilacerado, pensou. Um golpe
daquela enorme pata e não lhe sobraria muita coisa do corpo pra contar
história. Mas já estava lá, não podia voltar atrás.
De
súbito o leão arremeteu-se sobre ele, as unhas em riste, num bote fatal.
O que
aconteceu, porém, foi que ele caiu a seus pés e passou a lambê-los.
Voltando-se
perplexo para o exterior da jaula viu um sorriso estampado no rosto de seu pai.
- O
leão é manso, meu filho. Eu jamais poria em risco a sua vida. Só queria te
mostrar que para governar um país é preciso antes de tudo coragem e
determinação. Agora vejo que estás pronto.
A seu
tempo ele assumiu o reino em lugar de seu pai, e a primeira medida que tomou
foi mandar que gravassem, no espaldar de seu
trono, com letras de ouro, a seguinte inscrição, que influenciaria não
só o seu governo como também as gerações por vir: “NUNCA FUJA DO LEÃO”.
Assim
como essa estória nós também temos nossos “leões” a enfrentar, seja como
indivíduos ou sociedade. Alguns muito ferozes, outros nem tanto. São desafios
diários, problemas que requerem nossa atenção.
Ao
menos duas lições podemos extrair da narrativa acima: primeiro, fugir de um
problema não o resolve. Cedo ou tarde nos depararemos com a mesma situação
desafiadora. Aonde estivermos lá estará também ele, rugindo e com as unhas em
riste. Segundo, ao enfrentá-los constatamos que nossos problemas são menores do
que imaginávamos. Nossos temores se esvaem dando lugar a um sentimento de
realização pessoal, de plenitude. Descobrimos, estupefatos, que o leão de quem
tanto fugíamos não passa de um animalzinho dócil, tão assustado quanto nós.
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